domingo, 17 de março de 2013

Uma manhã de janeiro


Sempre que abro os olhos pela manhã penso se o dia irá ser melhor que o anterior. Na maior parte das vezes isto não acontece. Sinto que a força que eu havia tido no passado se esvaeceu com a noite e eu perdi a esperança, mas hoje talvez a luz novamente nasça por entre a escuridão.
Levantei com medo de minha própria sombra nesta manha escura de janeiro. O sol ainda não havia nascido e a chuva batia de leve na janela. O cheiro do mar prendia a minha alma nos sonhos e o barulho das ondas me dava medo. Poderia aquela tempestade ter levado mais uma vida, ou poderia aquela tempestade ter trazido algo  novo/ algo desconhecido.
Os olhos ainda cansados, perceberam a leve luz que começava a chegar pela janela fechada. Era hora de abri-la e observar o vermelho que acompanha o nascer do sol. Tremendo com o leve frio da manhã abri a persiana e deixei que a apagada vermelhidão da manhã penetrasse no quarto. A cama com seus lençóis brancos refletia o belo evento que a natureza traz todos os dias com a chegada da luz que ilumina a Terra.
O quarto estava ainda tão bagunçado quanto na noite anterior. Nenhuma fada mágica havia vindo pela noite modificar o estado perdido em que minha alma se encontrava, ou a forma como eu havia simplesmente jogado minhas roupas por sobre o chão, deixando cair os livros da escrivaninha. A fada também havia esquecido de limpar o pó do armário e de fechar a porta do quarto.
Desisti de sofrer por aquilo que eu não havia feito. A manhã era ainda uma possibilidade e eu poderia ainda aproveitar o dia e não sofrer dores do passado que rasgam a alma e impedem-nos de andar.
Saí do quarto que me fazia perder o ar, embora a cor vermelho sangue havia se transformando em um leve rosa, que lembrava-me a infância e permitia que eu observasse a vida como se ela fosse toda minha, sem medos e sem decepções. Sem que o mundo houvesse escrito em minha alma que eu não sou, não sei e não tenho, embora eu sou, seja e tenha.
O corredor também estava escuro, embora a leve luz rosa que vinha do quarto lhe desse um leve tom de casa assombrada por fadas, habitando as flores do papel de parede. Liguei finalmente a luz e foi como se a magia da floresta fosse embora. Eu fiquei ali parada. Desamparada. Sem minhas fadas não tenho nada.
Finalmente entrei a sala e abri a janela. A luz que entrava na sala já era branca. O céu era azul embora a chuva tivesse deixado a grama do jardim molhada. O orvalho caia devagar da roseira. As pétalas creme apagadas brilhavam com diamantes que mudavam de local de acordo com a forma como o sol os tocavam. Os diamantes também caiam e despedaçavam sobre a grama, perdendo-se possíveis colares de madames e anéis de 15 anos para uma manhã de janeiro em que a esperança nasce entre folhas e lágrimas.
O cheiro da grama molhada misturava-se ao cheiro da praia. Surfistas começavam a surgir no horizonte e voltei-me para a sala, procurando um livro que pudesse me acompanhar em uma caminhada.
A cozinha também estava repleta de escuridão. Ao abrir as janelas e permitir que o cheiro de café entrasse pelo nariz, penetrando cada parte de meu ser, observei pela janela da sala os banhistas que começavam a chegar. Guarda-sol coloridos começavam a transformar a praia em um arco-íris e o café me dava a energia que eu precisava.
Tive que retornar ao quarto, cuja vermelhidão da manhã ainda me assombrava, mas ao observar que o nascer do sol havia acabado, o quarto já não mais me dava medo. Agora as temeridades do passado haviam se ido e a esperança de que este dia iria trazer algo novo vinha novamente, agora ainda mais forte.
Agora pronta, peguei meu livro e me dirigi para a praia. A música que vinha de meu celular me consumia. Fechei meus olhos para sentir o que dizia a paz em som e vozes. A calma e o vai e vem do mar faziam um mantra.
Abri novamente os olhos, o creme da areia, que penetrava por entre meus pés nus, contrastava com o azul do mar, do céu. O azul que preenchia a alma e que mostrava uma esperança, um mundo que permitia abrir-se inteiramente a minha frente para que o futuro fosse meu. Sem medos, visto que o medo faz com que a vida fique empacada e nos transforma em nada. Sem vícios, visto que estes fazem de nós escravos. Um futuro só meu e escrito por mim. Um futuro que eu fiz para mim mesma e que apenas o mar e eu precisamos concordar. Visto que o mar é vida e eu sou o mar. 

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